Prólogo
Desde que o Cristianismo nascera homens e mulheres de diversas épocas e localidades se debruçaram com afinco na especulação dos assuntos que tratam da vida interior, da meditação das Sagradas Escrituras, bem como nas questões filosóficas que envolvem a existência do homem, do mundo que o cerca e do grande maestro que rege e ordena todas as coisas que existem, visíveis e invisíveis. A partir de São Paulo, o grande teólogo e doutor dos gentios, passando por Orígenes nos primórdios do Cristianismo, por Santo Agostinho e os demais Padres da Igreja que estabeleceram os alicerces que sustentam a Santa Mãe Igreja até nossos dias, culminando no maior expoente do pensamento filosófico cristão, Santo Tomás de Aquino, além das demais autoridades de seu tempo e posteriores, sempre existiram pessoas de notável saber que desenvolveram a filosofia e a teologia cristã admiravelmente. Com efeito, até meados do século XVIII a Igreja contava com uma elite de sábios que a conduzia primorosamente. E estes sábios foram “construídos”, por assim dizer, como pedras de mármore sendo talhadas pelo Escultor buscando a forma perfeita. Este talhar da pedra bruta é um esforço que mesmo os grandes santos e mestres da vida espiritual tiveram de fazer, ao qual chamamos estudo.
Portanto, nos propomos aqui desenvolver alguns pontos que poderão contribuir para o esclarecimento acerca da importância do estudo da Vida Espiritual e da Filosofia, cuja meta é o progresso das almas no amor perfeito a Deus, levando-as à plenitude da vida sobrenatural tanto quanto for possível neste mundo e, ao chegar finalmente na Pátria, gozar da Face Beatíssima de Deus, a quem queremos conhecer cada vez mais a fim de amá-Lo de modo absoluto e sejamos transformados Nele. Não pretendemos esgotar todo o assunto devido a brevidade deste.
Sobre o Estudo, a Sabedoria e a busca pela Santidade
No primeiro parágrafo deste artigo citamos alguns expoentes da vida intelectual e espiritual que marcaram sua época e muito contribuíram com o desenvolvimento e fortalecimento da Igreja. Desde o fim do século XVIII, porém, vislumbramos uma decadência no ensino e na doutrina da Igreja, sobretudo após a supressão da Companhia de Jesus em 1773, em que pôde se constatar uma queda cada vez mais abrupta do conhecimento. Isto só confirma a célebre frase de um grande homem de nossos tempos: “Fecharam a fábrica de santos!”. Trazendo ao nosso contexto, podemos dizer: “Fecharam a fábrica de sábios!”, que, afinal de contas, é a mesma coisa. Ademais, São João Crisóstomo, bispo e doutor da Igreja, em seu livro sobre o Sacerdócio, dizia que em uma sociedade na qual imperam a promiscuidade e a imoralidade, os bons exemplos já não serão suficientes para a mudança da mesma. Será necessário usar copiosamente da Palavra, isto é, denunciar os erros por meio da verdade, demonstrando de forma lógica e suscinta todo o sistema, de tal modo que seja quase impossível a um homem com o mínimo de sensatez negar as evidências. Portanto a primeira conclusão que tiramos é que o estudo da vida interior e a busca de uma santidade que ensine não somente bons exemplos, mas doutrina sólida, gerando novos sábios, novos santos que poderão desbaratar esta estrutura pagã que cresce cada vez mais e afunda o mundo num abismo sem fim, uma vez que somente aquele que “usa prodigiosamente da palavra” é capaz de reordenar uma sociedade que já não possui mais valores morais e cristãos, é necessário e indispensável para o século atual.
Ademais, aqueles que se tornaram santos e sábios só o fizeram à medida em que conheceram e amaram o autor de todo o bem, o princípio de toda graça, a própria Sabedoria que se encarnou e habitou entre nós (cf. Jo 1, 14). Porquanto seja Deus quem opera em nós o querer e o perfazer (Fl 2, 13), nada poderemos longe deste augusto mestre que nos convida a aprendermos Dele (Mt 11, 29). Sendo assim, a segunda necessidade do estudo é uma consequência da primeira, já que as almas só se santificam ao passo que mais se aproximam de Jesus, caminho, verdade e vida (Jo 14, 6), conhecendo-o a fundo para amá-lo, uma vez que não se ama quem não se conhece. É Ele quem opera em nós, como ficara dito. Mesmo que nos empenhemos com todas as nossas forças em adquirir toda a ciência do mundo, visando o bem comum e a edificação da Igreja e de seus membros, sem a graça de Deus tudo isso seria vão, como outrora dissera o Apóstolo (cf. 1Cor 13, 2). A Igreja e o mundo precisam de sábios que sejam santos, que não percam tempo com disputas supérfluas e intrigas intelectuais sem fundamento. E só Jesus Cristo pode gerar novos sábios que sejam santos.
Além disso, a alma que progride no conhecimento e no amor a Deus, e assim santificando-se, só o faz tanto quanto ela possuir a vida de Deus. Ora, a vida de Deus foi-nos dada por Jesus Cristo, como ficara dito em Jo 3, 16; 5, 24; 10, 10; 17, 26. Portanto, a alma que mais possuir a vida de Deus, manifestada em Cristo, mais semelhante a Ele ficará. Contudo sabemos que Deus anseia por adoradores em espírito e em verdade, visto que Ele é puro espírito (Jo 4, 24). E o espírito, no homem, é a operação da alma, ou melhor, de suas faculdades elevadas pela ação da graça até o sobrenatural. Das faculdades da alma humana, aquela que mais se identifica com Deus é a inteligência, por ser mais espiritual do que qualquer outra que há no homem, e, portanto, é nela que o Senhor principalmente se manifesta. Ademais, o homem, após a queda, ficou impossibilitado de elevar-se até Deus por si só, graças à corrupção de suas faculdades, consequência do pecado. Destarte, o homem, para receber a vida de Deus, unir-se a Ele, ser transformado Nele e tornar-se verdadeiro santo e sábio, deverá purificar suas faculdades, especialmente a inteligência, para que possa manter contato vivo e íntimo com Deus e gozar de sua vida, como foi dito em Mt 25, 21-23. Ora, expusemos todo este raciocínio para afirmar que o estudo, mormente o da vida espiritual, tem papel fundamental na purificação da alma e de suas potências, principalmente sobre a inteligência, tornando-a capaz de julgar com retidão, demonstrar com método, contemplar a verdade e ordenar com eficiência. Portanto o Estudo da Vida Espiritual é necessário para a purificação da alma e ordenamento de suas potências para Deus.
Por fim, a Igreja é um corpo composto de muitos membros (Rm 12, 5; 1Cor 12, 12), os quais trabalham para Cristo, cabeça de todo homem (1Cor 11, 3). Este corpo, também chamado corpo místico, à semelhança de um corpo natural, deve estar em boas condições para que a cabeça exerça bem suas funções. Quando o corpo está doente, a cabeça, por assim dizer, não poderá exercer suas funções que, a saber, são as mais superiores e ordenam todas as outras. Logo, será preciso extirpar a enfermidade do corpo para que a cabeça seja soberana. Ora, considerando que a Cristandade, que consiste em uma sociedade cujo soberano é o Cristo, Filho de Deus, não tem mais força no mundo atual, podemos concluir que isso se dá graças à gangrena que corrói os membros desta cabeça gloriosa que é Jesus, à semelhança de uma cárie que consome os ossos, definhando todo o corpo. Ademais, a maioria das pessoas sequer sabe que a Cristandade já não existe, embora o Cristianismo não deixará de existir jamais, pois a Igreja nunca será prevalecida pelo inferno (Mt 16, 18). Contudo a Cristandade ruiu nos últimos tempos e inúmeras almas se perdem por falta de conhecimento (Os 4, 6), conhecimento de Deus e de tudo que tem relação direta ou indireta com Ele, conhecimento de si e de suas necessidades e, enfim, conhecimento de toda a realidade que as cerca, incluindo toda a degradação moral, intelectual e espiritual que ocorre atualmente. Portanto, afirmamos que o estudo da Vida Espiritual e da Filosofia é necessário para o reerguimento do corpo místico de Jesus, a Igreja, edificando seus membros pelo exercício da sabedoria, reestruturando as famílias que, fundamentadas em sólidas convicções e sério conhecimento da realidade, poderão formar mais e mais santos e sábios, e devolverão a Jesus a soberania que lhe é devida, mas que fora usurpada por homens e mulheres cobiçosos e ávidos por poder, prazer e posses. Quando realmente empreendermos a reerguimento da Cristandade, sempre apoiados na graça divina, aprofundando-nos na oração, na mortificação e no estudo das verdades eternas acerca do homem e de Deus, então Cristo poderá voltar definitivamente, congregar todo o povo em um só rebanho (Jo 10, 16) e o reconduzir a uma nova pastagem (Sl 22, 2; Jo 10, 3-4).
Conclusão
A respeito de tudo que fora falado sobre a necessidade do estudo em suas diversas circunstâncias para a formação de santos sábios, embora não tenhamos esgotado todo o assunto, podemos concluir que o estudo da Vida Espiritual e da Filosofia é sumamente importante e necessário para o desenvolvimento e progresso das almas, já que, estas mesmas almas, por serem eternas, necessitam chegar a um fim que lhes seja conveniente. O fim mais conveniente e perfeito à eternidade da alma é Deus, uma vez que Deus é eterno (Mt 24, 35; Lc 21, 33; Sl 32, 11; 1Jo 2, 17). Ademais o homem, criado com esta alma racional, imagem e semelhança de Deus, por ser Sua imagem, possui inteligência, a qual anseia conhecer o bem verdadeiro. O bem maximamente verdadeiro é Deus, porque Deus é a verdade (Jo 1, 1; 17, 17), evidenciando, assim, como Deus é necessário à inteligência humana. Além disso, quanto ao fato de o homem ser semelhança de Deus, é capaz de realizar atos livres de vontade, portanto é capaz de amar. A vontade racional do homem anseia pelo bem sumamente deleitável, isto é, aquilo que mais lhe satisfará. O bem sumamente deleitável para a vontade e o que lhe é próprio é o amor. Portanto Deus é o bem sumamente deleitável da vontade, uma vez que Deus é amor (1Jo 4, 8).
Realizamos todo este arremate racional para demonstrar o quão importante é o estudo, sobretudo aquele que versa sobre questões morais, cosmológicas, intelectuais, metafísicas e teologais. Fica evidente que, sem um esforço enérgico e sincero de nossa parte, seremos incapazes de conhecer minimamente a Deus, progredir no Seu amor, nos santificar e reestabelecer a Cristandade, bem como a soberania de Jesus Cristo e de seu corpo, que somos nós, seu povo, sua Igreja. Ponderemos seriamente sobre estas verdades e que elas sejam apenas uma porta aberta pela qual passaremos e encontraremos mais e mais verdades que nos conduzirão ao único bem necessário: Jesus Cristo Nosso Senhor.